
O gênero cinematográfico de guerra assumiu diversas formas ao longo das décadas, desde seu surgimento juntamente com o próprio cinema narrativo. Seja abordando conflitos históricos reais ou enfrentamentos fictícios, os filmes de guerra demonstraram repetidamente sua capacidade de explorar a tensão, a violência e as apostas humanamente impensáveis da guerra para provocar emoção, entregar ação intensa e promover reflexões políticas profundas.
A Netflix, por sua vez, oferece uma seleção sólida de grandes filmes de guerra, abrangendo diferentes épocas e estilos. A plataforma disponibiliza títulos que exploram variados aspectos do combate e suas consequências, agradando desde os espectadores em busca de cenas eletrizantes até os que preferem narrativas mais introspectivas e críticas.
Nesta lista, reunimos os 10 melhores filmes de guerra atualmente disponíveis para streaming na Netflix. A maioria deles se baseia em guerras reais — quatro, por exemplo, têm como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial —, enquanto outros se utilizam desses contextos para contar histórias ficcionais poderosas e originais.
De diferentes épocas e partes do mundo, esses filmes oferecem uma visão ampla, comovente e, por vezes, perturbadora das múltiplas faces da guerra.

Destacamento Blood
Ao longo de seus 35 anos de carreira, Spike Lee realizou obras marcantes, mas poucas são tão vitais, ambiciosas, complexas e originais quanto Destacamento Blood. Neste filme, o diretor enfrenta de forma direta temas que a maioria dos cineastas americanos sequer ousaria tocar — mesmo com um poste de dez metros. Destacamento Blood figura não apenas entre os pontos altos da filmografia de Lee, como também se destaca como um dos melhores filmes originais já lançados pela Netflix. Infelizmente, seu lançamento em meados de 2020, no auge da pandemia, fez com que passasse despercebido pela Academia, recebendo apenas uma indicação ao Oscar, na categoria de Melhor Trilha Sonora Original, para o compositor Terence Blanchard.
A trama acompanha quatro veteranos idosos da Guerra do Vietnã que retornam ao país décadas depois em busca dos restos mortais de seu falecido líder de esquadrão, interpretado por Chadwick Boseman em poderosos flashbacks, e de um tesouro enterrado durante o conflito. À medida que fantasmas do imperialismo e da guerra emergem, Lee transforma a missão dos personagens em uma poderosa meditação sobre os legados entrelaçados do colonialismo, do racismo e da máquina de guerra americana. Ele faz isso com precisão dramática, toques de surrealismo, escolhas estilísticas ousadas, como é característico em sua obra, e com o apoio de um elenco extraordinário, liderado por uma atuação impressionante de Delroy Lindo.

O Túmulo dos Vagalumes
Um dos mais poderosos filmes anti-guerra de todos os tempos, O Túmulo dos Vagalumes, de Isao Takahata, figura entre as maiores conquistas do cinema japonês do século XX. É uma obra tão carregada de emoção e integridade moral que, por si só, desmonta a noção equivocada de que a animação seria um meio menor ou menos sério.
Acompanhando os jovens irmãos Seita (Tsutomu Tatsumi) e Setsuko Yokokawa (Ayano Shiraishi) enquanto lutam diariamente para sobreviver nas ruínas devastadas de Kobe ao final da Segunda Guerra Mundial, o filme utiliza com maestria a beleza visual e o esplendor da animação em cel do Studio Ghibli para, paradoxalmente, ressaltar a brutalidade das circunstâncias enfrentadas pelos protagonistas — vítimas não apenas da guerra impiedosa, mas também do abandono silencioso imposto por uma sociedade rigidamente autoritária.
O Túmulo dos Vagalumes é, ao mesmo tempo, uma das representações mais comoventes da inocência ferida e uma das declarações cinematográficas mais definitivas sobre os horrores da guerra vivida pelas pessoas comuns. Não à toa, é amplamente considerado um dos filmes mais tristes já realizados, uma experiência devastadora e inesquecível.

Virunga
Dirigido pelo prolífico documentarista britânico Orlando von Einsiedel, o aclamado Virunga (2014) narra os esforços heroicos de quatro indivíduos — o zelador André Bauma, os guardas florestais Rodrigue Mugaruka Katembo e Emmanuel de Merode, e a jornalista investigativa Mélanie Gouby — para proteger os últimos gorilas-das-montanhas remanescentes no Parque Nacional de Virunga, localizado no leste da República Democrática do Congo.
Magistralmente estruturado com a tensão e o suspense de um thriller hollywoodiano, Virunga utiliza as histórias de seus protagonistas humanos como uma lente poderosa para explorar a complexa realidade política e social do Congo no início da década de 2010, com destaque para a rebelião do grupo M23 entre 2012 e 2013. O filme revela como esses conflitos, impulsionados por interesses econômicos e instabilidade governamental, colocam em risco não apenas os esforços de conservação da região, mas também a própria vida dos que lutam para protegê-la.
Ainda assim, tudo em Virunga converge para a deslumbrante beleza natural do parque e o carisma surpreendente de seus protagonistas símios. Os gorilas, ameaçados de extinção, emergem como figuras emocionantes, cativantes e profundamente humanas, personagens que nos lembram, com urgência e ternura, do que está em jogo.
Virunga é mais do que um documentário ambiental; é uma obra-prima cinematográfica, um apelo moral e um dos mais impactantes e inesquecíveis filmes documentais já feitos.

Farha
Em meio à intensa cobertura midiática sobre o atual conflito entre Israel e Palestina, é raro que comentaristas retrocedam no tempo para examinar as origens do impasse — especificamente o ano de 1948, quando centenas de milhares de palestinos foram forçados a deixar suas casas por milícias sionistas e, posteriormente, pelas forças armadas israelenses. Farha (2021), escrito e dirigido pela cineasta jordaniana Darin J. Sallam — cuja própria família foi deslocada da Palestina durante a Nakba —, encara esse momento histórico como seu tema central. O filme condensa a vastidão desse trauma coletivo na história íntima e representativa de Farha (Karam Taher), uma jovem palestina de 14 anos cuja vida é brutal e repentinamente transformada pela catástrofe de 1948.
Sensível, observador e profundamente comovente, Farha parte do retrato da vida cotidiana em uma pequena vila palestina, onde a protagonista sonha em se mudar para a cidade grande e obter uma educação, e logo se lança no caos provocado pela chegada de forças paramilitares sionistas. Durante a fuga, Farha é escondida em um porão por segurança, e é a partir dessa perspectiva limitada, observando o mundo exterior por uma estreita fenda na parede, que o filme constrói sua força emocional e narrativa.
A mise-en-scène austera e claustrofóbica amplifica a tensão e o desespero, transformando Farha em um documento cinematográfico angustiante, e necessário, sobre os horrores enfrentados por milhares de palestinos naquele período. É uma obra que desafia o apagamento histórico, oferecendo uma janela íntima para a tragédia da Nakba, com coragem, empatia e poder dramático.

O Bombardeio (The Shadow in My Eye)
Escrito e dirigido por Ole Bornedal, o impactante drama dinamarquês The Shadow in My Eye (também conhecido como O Bombardeio) dramatiza a trágica Operação Carthage, ataque aéreo realizado pela Força Aérea britânica em 1945, durante a ocupação nazista de Copenhague. Embora o bombardeio tenha cumprido seu objetivo principal, desmantelar as operações da Gestapo na Dinamarca, também resultou em uma calamidade civil: um erro de navegação levou à destruição de uma escola, o Institut Jeanne d’Arc, matando mais de 100 civis, a maioria crianças. Este episódio vergonhoso e amplamente esquecido da história militar britânica recebe no filme o tratamento sombrio e comovente que merece, beirando por vezes o horror em sua evocação visceral da agonia e da aleatoriedade da guerra.
Estruturado como um drama coral, o filme acompanha os dias tensos que antecedem o ataque, entrelaçando os destinos de diversos habitantes de Copenhague — crianças, professores, pilotos e membros da resistência — para mostrar como a guerra reverbera de maneira brutal e imprevisível na vida cotidiana. O Institut Jeanne d’Arc, a escola católica de língua francesa que se torna o trágico epicentro da narrativa, serve como poderoso microcosmo das tensões, esperanças e desespero vividos por tantos durante a ocupação nazista.
A direção de Bornedal constrói um clima de constante inquietação, equilibrando momentos de ternura com cenas de devastação emocional e física. The Shadow in My Eye emerge, assim, como um retrato sombrio, sóbrio e absolutamente necessário dos danos colaterais da guerra — um filme difícil de assistir, mas impossível de ignorar.

Nada de Novo no Front
Vencedor de quatro Oscars, Nada de Novo no Front marcou a consagração internacional do diretor alemão Edward Berger, representando seu grande salto para o sucesso mainstream de Hollywood — trajetória que ele continuaria a trilhar com Conclave, lançado em 2024. Uma das maiores produções originais da Netflix, o filme é uma nova e potente adaptação do romance homônimo de 1929, escrito por Erich Maria Remarque, além de funcionar como um remake — desta vez falado em alemão — do clássico vencedor do Oscar de Melhor Filme em 1930.
Assim como o livro, o longa de Berger acompanha o doloroso despertar de um grupo de jovens soldados alemães cujas fantasias de glória patriótica são esmagadas pela realidade impiedosa da Primeira Guerra Mundial. O foco recai especialmente sobre o idealista Paul Bäumer (vivido com intensidade por Felix Kammerer), cuja jornada é marcada por medo, desespero e perda. Berger, decidido a romper com as convenções tradicionais dos filmes de guerra, intercala a carnificina das trincheiras com as negociações burocráticas e kafkianas do armistício, revelando o abismo entre os que lutam e os que decidem.
Esse contraste brutal entre a violência do front e a frieza dos corredores do poder expõe, com clareza perturbadora, a futilidade da guerra e a forma grotesca com que ela é imposta aos jovens em nome de ambições políticas. Nada de Novo no Front é, assim, um dos mais pungentes e contundentes retratos antibelicistas do cinema contemporâneo — uma obra visualmente arrebatadora, emocionalmente devastadora e moralmente urgente.

Número 24
Dirigido por John Andreas Andersen, o filme norueguês Número 24 é possivelmente o melhor filme da Netflix que você ainda não viu. Baseado na extraordinária história real de Gunnar Sønsteby, codinome Número 24, a obra resgata a trajetória de um dos maiores heróis da resistência norueguesa contra a ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Sønsteby, um cidadão comum transformado em estrategista brilhante, tornou-se o cérebro por trás do lendário grupo de sabotagem Oslogjengen (a “Gangue de Oslo”).
Interpretado com vigor e sensibilidade por Sjur Vatne Brean na juventude e Erik Hivju na velhice, Sønsteby é retratado como um homem movido por um senso inabalável de dever e coragem moral. Desde os primeiros dias da ocupação, ele se dedica incansavelmente a minar o regime nazista, organizando operações ousadas e perigosas que desafiaram o poderio alemão em plena capital norueguesa.
Número 24 adota uma abordagem direta e despojada, evitando floreios melodramáticos e apostando em um realismo sóbrio para retratar a guerra como ela foi: uma sucessão de decisões difíceis, riscos constantes e sacrifícios pessoais. Ainda assim, o filme é eletrizante. A direção de Andersen, aliada ao roteiro inteligente de Erlend Loe e Espen Lauritzen von Ibenfeldt, equilibra magistralmente a tensão narrativa com o peso histórico e moral da resistência.
Em meio a explosões silenciosas, reuniões às escondidas e perseguições implacáveis, o filme nunca perde de vista o que está em jogo — não apenas a libertação de um país, mas a luta universal contra a tirania. Número 24 é, ao mesmo tempo, uma homenagem sincera a seus protagonistas e um lembrete poderoso do que significa resistir com coragem quando tudo parece perdido.

Beasts of No Nation
Em 2015, Beasts of No Nation, dirigido por Cary Joji Fukunaga, entrou para a história como o primeiro filme original de prestígio da Netflix — e não documental — a conquistar espaço no circuito de festivais. Adquirido pelo serviço de streaming por impressionantes US$ 12 milhões, o longa foi selecionado para competir no principal concurso do Festival de Veneza, onde ganhou aclamação crítica e conquistou um lugar de destaque na temporada de premiações, impulsionado por uma campanha robusta da Netflix. Mas, deixando de lado toda a estratégia de marketing e o burburinho inicial, o que permanece, anos depois, é um filme poderoso e absolutamente indispensável.
Agu, interpretado com intensidade arrebatadora pelo jovem Abraham Attah — que levou para casa o prêmio Marcello Mastroianni de melhor ator emergente em Veneza — é um garoto de uma vila em um país não identificado da África Ocidental. Preso em meio a uma brutal guerra civil, ele é forçado a se tornar um soldado criança sob a influência do enigmático e impiedoso Comandante, vivido com presença magnética por Idris Elba. A câmera documental e implacável captura com verossimilhança a violência e o caos que consumem a infância de Agu, enquanto a narrativa adapta com fidelidade pungente o romance homônimo de 2005 do autor nigeriano-americano Uzodinma Iweala.
Beasts of No Nation é uma das mais contundentes e emocionantes declarações anti-guerra do cinema do século XXI — um retrato cru e profundamente humano da inocência brutalmente arrancada em meio a uma crise social frequentemente ignorada. Um filme que, apesar do silêncio em torno dele nos anos seguintes, continua relevante e devastador.

First They Killed My Father
O quinto e mais impactante trabalho na direção de Angelina Jolie, que vem consolidando sua carreira como uma das cineastas mais consistentes e comprometidas com o gênero de filmes de guerra do século XXI, é a coprodução americano-cambojana First They Killed My Father. Adaptado das memórias de Loung Ung, o roteiro, co-escrito por Jolie e Ung, dramatiza a trajetória real da pequena Loung (interpretada por Sareum Srey Moch), que aos cinco anos sobreviveu ao terrível primeiro ano do regime do Khmer Vermelho no Camboja, em 1975. Durante esse período, ela foi separada de sua família e recrutada como criança-soldado, envolvida nos conflitos com o Vietnã que culminariam na Guerra Camboja-Vietnamita.
Narrado inteiramente sob a perspectiva inocente, mas dolorosamente consciente, da criança Loung, First They Killed My Father é um dos filmes mais difíceis de assistir desta lista, um relato direto, cru e profundamente humano que expõe, sem filtros, a experiência vivida sob um dos regimes mais brutais e repressivos do século XX, visto através dos olhos de quem era jovem demais para compreender a dimensão do horror ao seu redor.

Nas Muralhas da Fortaleza (The Fortress)
Um dos vários excelentes filmes escritos e dirigidos por Hwang Dong-hyuk antes de alcançar fama mundial com Round 6 na Netflix, Nas Muralhas da Fortaleza (The Fortress) é um drama de guerra que aborda diretamente um impasse moral raramente explorado no gênero: a difícil decisão de se render ou resistir. Baseado no romance Namhansanseong (2007), de Kim Hoon, o filme se passa durante a invasão da dinastia Qing à Coreia, em 1636, quando a poderosa dinastia chinesa exigiu que o reino de Joseon rompesse seus laços com a dinastia Ming.
Estruturado principalmente como um filme de cerco, Nas Muralhas da Fortaleza acompanha a retirada do Rei In-jo (Park Hae-il) e sua corte para a fortaleza nevada de Namhansanseong, enquanto debatem como responder à ameaça iminente. Muito parecido com o sucesso posterior de Hwang, o filme extrai tensão, profundidade psicológica e dinamismo dos personagens confinados em espaços apertados, onde a sobrevivência de todos está em jogo. Além disso, é uma produção de época visualmente exuberante, enriquecida pela trilha sonora impressionante do lendário Ryuichi Sakamoto.
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