“Quando seu adolescente quer fazer algo com você, você faz.” Foi assim que Deborah Farmer Kris, especialista em desenvolvimento infantil, se viu presa no trânsito de Boston, gastando mais de uma hora para percorrer apenas 24 quilômetros — e, ainda por cima, precisou estacionar quase dois quilômetros longe do destino. Tudo para acompanhar a filha em uma exposição de arte.
O estresse da ida, no entanto, evaporou no instante em que ela viu o rosto da adolescente se iluminar diante das galerias decoradas com arranjos florais inspirados em obras de arte.
Na saída, as duas conversaram sobre algo raro, porém essencial: mesmo em meio a guerras, divisões políticas e ansiedades modernas, ainda há espaço para a beleza, para a arte — e, principalmente, para o encantamento.
Essa experiência não foi só um momento bonito. Foi, na prática, um exemplo vivo daquilo que Deborah defende em seu livro recém-lançado, “Raising Awe-Seekers: How the Science of Wonder Helps Our Kids Thrive” (“Criando Buscadores do Encantamento: Como a Ciência do Maravilhamento Ajuda Nossos Filhos a Prosperar”, em tradução livre).
Segundo ela, o encantamento é um superalimento emocional. Estudos do Greater Good Science Center, da Universidade da Califórnia em Berkeley, comprovam que essa emoção fortalece o bem-estar físico, mental e emocional, além de estimular empatia, humildade e conexão com os outros.
Como resume o psicólogo Dacher Keltner, especialista no tema:
“Não subestime o poder dos arrepios.”
Mas se é fácil imaginar uma criança de três anos deslumbrada com um ninho de passarinho, como cultivar esse mesmo encantamento nos adolescentes — justamente em uma fase tão cheia de estresse, solidão e excesso de telas?
Deborah aponta três caminhos possíveis, válidos tanto para os filhos quanto para os próprios pais.
1. Descubra o que faz os olhos deles brilharem
Adolescência é sinônimo de transformação. Atividades que antes faziam sentido — como escotismo, piano ou equitação — podem ser deixadas de lado para dar lugar a novas paixões.
“Minha filha, por exemplo, encontrou seu espaço no teatro comunitário, na arte e em um clube de atletismo”, conta Deborah.
O segredo aqui é exercitar algo chamado de “curiosidade radical”, conceito do psiquiatra Robert Waldinger, da Universidade de Harvard. A proposta é simples: olhe para seu filho como se o estivesse conhecendo agora e se pergunte —
“O que há nele que eu nunca tinha notado antes?”
Vale tudo, desde um novo jeito de pentear o cabelo até um interesse inesperado por literatura fantástica, como O Senhor dos Anéis, que pode levá-lo a se apaixonar por um clube de RPG.
Quando você identifica aquilo que faz seu adolescente dizer “uau”, não apenas o conhece melhor, mas também o convida, de forma indireta, a continuar explorando quem ele é — e quem pode se tornar.
2. Busque viver momentos de deslumbramento juntos
A boa notícia é que o encantamento não exige viagens caras nem programas mirabolantes. Pelo contrário.
Dacher Keltner define o deslumbramento como uma “emoção cotidiana”, acessível em pequenas coisas: uma caminhada, uma música, uma exposição local ou até torcer para o time do bairro.
Além disso, estudos mostram que uma das maiores fontes de encantamento nem vem da natureza ou da arte, mas sim da observação da bondade humana. Ver alguém sendo gentil ou corajoso gera aquele mesmo arrepio que sentimos diante de uma paisagem deslumbrante.
Outro gatilho potente, especialmente para adolescentes, é o que os pesquisadores chamam de “efervescência coletiva” — a energia que surge quando fazemos parte de algo maior, seja um time, um coral ou uma peça de teatro. É o senso de pertencimento em ação.
Pergunte-se:
— Onde podemos ver arte perto de casa?
— Que músicas fazem meus filhos sorrirem — e será que posso colocá-las no carro?
— Existe algum projeto social, grupo, esporte ou hobby que possamos experimentar juntos?
3. Encontre “algo bonito todos os dias”
Se queremos que nossos filhos cultivem encantamento, precisamos dar o exemplo. E não precisa ser nada forçado.
“Depois de estudar esse tema, comecei a seguir mais fotógrafos da natureza e artistas nas redes sociais. Aos poucos, meu algoritmo mudou: dicas de maquiagem deram lugar a fotos de pássaros absurdamente lindos”, conta Deborah.
Inspirada, ela criou um hábito simples, mas poderoso: todos os dias, escolhe uma coisa bonita — uma foto, uma frase, uma música ou até um vídeo fofo — e envia para uma amiga que mora longe.
Depois de um tempo, percebeu: “Por que não fazer isso também com minha filha?”
E assim nasceu um novo tipo de troca entre mãe e filha. Fotos, músicas e até memes de patinhos agora fazem parte do dia a dia das duas. Pequenos lembretes de que, mesmo no meio do caos das notícias ruins, ainda existe beleza no mundo.
O impacto foi surpreendente.
“Subestimei o quanto essa troca fortaleceria nossa conexão. É como abrir, todos os dias, uma janelinha para o que cada uma de nós considera maravilhoso.”
Claro, ela também faz um alerta: as redes sociais, por si só, não são pensadas para gerar encantamento. Como resume o psicólogo Craig Anderson, professor da HEC Paris:
“A maioria dos aplicativos não foi feita para gerar deslumbramento. Eles são feitos para nos manter presos a eles.”
Por isso, Deborah reforça: se não quisermos ser sequestrados pelos algoritmos, podemos usá-los a nosso favor — como uma ponte para compartilhar beleza e fortalecer vínculos.
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