O cinema contemporâneo independente tem se mostrado um terreno fértil para narrativas que exploram a interioridade de seus personagens, apostando na sutileza em detrimento de grandes eventos. Matt e Mara, dirigido por Kazik Radwanski e produzido pela MDFF Films, é um exemplo claro dessa abordagem e um bom filme para quem gosta do gênero drama.
O filme, que chegou ao catálogo da MUBI após sua passagem por festivais como a Berlinale, Toronto Film Critics Awards e Las Palmas (onde foi vencedor da categoria Melhor Filme), apresenta uma história que se desenrola no espaço nebuloso entre passado e presente, entre o que foi vivido e o que poderia ter sido. Com uma construção cuidadosa e performances naturalistas, Matt e Mara nos convida a refletir sobre os vínculos humanos e suas consequências emocionais.
O reencontro como catalisador de mudanças
A trama acompanha Mara (interpretada por Deragh Campbell), uma jovem professora de escrita criativa que vive um relacionamento estável com Samir (Mounir Al Shami), um músico experimental. Sua vida cotidiana, marcada por compromissos profissionais e a estabilidade emocional do casamento, ganha uma nova perspectiva quando Matt (Matt Johnson), um antigo amigo e potencial amor do passado, reaparece de forma inesperada. A partir desse reencontro, emergem dúvidas, desejos e reflexões que transformam a rotina de Mara em um território de inquietação.
Radwanski constrói essa narrativa de maneira intimista, evitando grandes confrontos ou reviravoltas abruptas. Em vez disso, o diretor investe na força do não dito, nos gestos contidos, nos olhares que comunicam mais do que as palavras. O filme trabalha a tensão entre a nostalgia e a realidade presente, explorando a dinâmica entre Mara e Matt de maneira orgânica, sem recorrer a artifícios melodramáticos.
Atuações e a força do naturalismo
O filme se beneficia imensamente das performances de seu elenco principal. Deragh Campbell, que já havia colaborado com Radwanski em Anne at 13,000 ft, entrega uma atuação sensível e multifacetada. Sua Mara é uma personagem que transita entre a segurança de sua vida atual e a tentação do desconhecido representado por Matt. Campbell consegue transmitir essa dualidade com nuances delicadas, sem necessidade de diálogos expositivos.
Matt Johnson, por sua vez, compõe um personagem carismático e imprevisível. Sua atuação equilibra um espírito livre com traços de imaturidade, sugerindo que a conexão entre Matt e Mara pode ter raízes profundas, mas também uma fragilidade que impede uma evolução concreta. A química entre os dois atores é palpável, fruto de uma longa parceria profissional e de uma abordagem naturalista da encenação.
Mounir Al Shami, como Samir, ocupa um papel fundamental na trama, mesmo que sua presença seja mais contida. Seu personagem representa a estabilidade e, ao mesmo tempo, a dúvida: até que ponto um relacionamento pode ser seguro sem se tornar estagnado? A sutileza com que Al Shami interpreta essa dinâmica adiciona profundidade à história.
Uma estética de proximidade
A cinematografia de Nikolay Michaylov reforça a intimidade da narrativa, apostando em planos fechados e câmera na mão para capturar os momentos de hesitação e desejo dos personagens. Essa abordagem visual remete ao realismo do cinema verité, aproximando o espectador da subjetividade de Mara e tornando palpável a tensão emocional que permeia suas interações com Matt e Samir.
A escolha por uma paleta de cores neutra e uma iluminação naturalista contribui para a atmosfera de realismo que Radwanski busca criar. A cidade de Toronto, com seus cafés, ruas e apartamentos compactos, serve como pano de fundo para essa história de reencontro e reavaliação da vida adulta, reforçando a sensação de que os personagens poderiam ser pessoas comuns, vivendo dilemas universais.
Um ritmo contemplativo e seus desafios
Se há um aspecto que pode dividir opiniões, é o ritmo deliberadamente pausado do filme. A ausência de eventos narrativos marcantes pode frustrar espectadores que esperam por uma progressão mais clara, mas essa escolha é essencial para a proposta do filme. Matt e Mara não busca fornecer respostas fáceis ou resoluções definitivas. Em vez disso, Radwanski aposta na incerteza, no fluxo da vida como ele realmente acontece. Esse tipo de abordagem exige paciência e disposição para se conectar emocionalmente com os personagens, mas, para aqueles que embarcarem na jornada, a recompensa é uma experiência cinematográfica profundamente autêntica.
Conclusão: um retrato sincero das complexidades emocionais
Matt e Mara é um filme que, à primeira vista, pode parecer simples, mas revela camadas de complexidade conforme nos aprofundamos na experiência de seus personagens. Kazik Radwanski constrói um retrato honesto e sensível das incertezas humanas, explorando a interseção entre passado e presente, desejo e estabilidade, memória e realidade.
A quem busca um cinema que privilegia a observação e o realismo, Matt e Mara se apresenta como uma obra delicada e profundamente ressonante. Sua narrativa pode não oferecer respostas definitivas, mas nos lembra de que, muitas vezes, as perguntas que fazemos a nós mesmos são mais importantes do que qualquer conclusão que possamos alcançar.
Sinopse
Em Toronto, a professora de escrita criativa Mara reencontra Matt, um escritor de seu passado. Unidos por interesses em comum, eles se aproximam enquanto Mara equilibra casamento, maternidade e trabalho. Mas quando Matt a acompanha em uma viagem de carro, a pressão cresce sobre o relacionamento.
Ficha Técnica
Título Original: Matt and Mara
Ano de Lançamento: 2024
Duração: 80 minutos
Gênero: Drama
Direção: Kazik Radwanski
Roteiro: Kazik Radwanski e Samantha Chater
Disponível em: MUBI (mubi.com)
Elenco Principal:
- Deragh Campbell como Mara
- Matt Johnson como Matt
- Mounir Al Shami como Samir
Produção: Arbitrage Pictures, Medium Density Fibreboard Films, Zapruder Films
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